sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O último dia

Morre
que eu sobrevivo
sempre a ti
Amor
Escrevo e canto
E tomo café
com sol
Em Paris
que em breve
morre para mim
e ressuscita em minha vida
E vive em mim
morta
Até a próxima 
vez

A flor do inverno



Era uma vez, um dia de inverno... 
As estações se repetem todos os anos, mas a cada ano mudam os detalhes de como se manifestam. 

Os dias também se repetem, como palco de expressão, e eu uso livremente esse palco para expressar o que tenho aprendido e o que busco viver, conhecer... Por isso, renasço a cada dia, concebo novas ideias, descubro novas maneiras de semear, para dar fruto que possa alimentar alguma vida, além da minha.

A flor do inverno, ao me ver passar, abanou, solicitou que eu a admirasse com calma, e que a levasse nos meus olhos para melhor compreendê-la.  E, por fim, que eu escutasse o que as doces metáforas de sua presença me contam e me contarão, nos muitos representantes da representação... compreensões libertadoras, leve-as no seu coração, na sua alma e manifeste na ação de se admirar e sorrir, a vida lhe devolverá sorrisos, mesmo em dias de espinhos... conhecimento, sabedoria, respeito e delicadeza e passarás pelos espinhos, encontrarás o que veio buscar.

Quando a ciência entrar em teu coração e a sabedoria for doce em tua alma, pede e te será dado.







A Flor do inverno no passar dos dias... no movimento da natureza e do olhar.

Multiplicada na intersecção do inverno com a primavera, novas folhas para escrever o verão.
Novo Blog em criação... 

Mariana Bernardes Goulart ( no mundo, em breve em crônica, conto e graça)

domingo, 24 de novembro de 2013

Da série árvores: A história de duas árvores ; No todo e no nada ; Hegel e Mariana

A história de duas árvores

      Duas árvores que poderiam ser três, ou todas do mundo, mas eram duas que apenas aspiravam ofertar oxigênio para o mundo respirar, até que começaram a se fitar.
     Árvores, doces árvores, generosas árvores... Ninguém sabia dos dias que vertiam lágrimas, pois elas continuavam ali.Fortes. Sutis. E quem poderia negar que os braços mais desenvolvidos eram os que se direcionavam ao outro, na solidão de seus crescimentos se fitavam.
     Algumas flores, alguns frutos, em algumas estações exalavam beleza, noutras, perdiam suas folhas, não sem pesar, mas para manterem-se vivas. Elas sabiam que era a lei da vida. Alguns dias choravam folhas com os ventos que as sacolejavam, mas não sem beleza, apenas leves tristezas levadas com o vento. E devolviam flores, carinhos em brisa. 
     O mesmo vento que leva suas folhas é o que espalha suas sementes. E é assim que se encontram após se fitarem. Lançando suas sementes ao vento. E é assim que se reproduzem para além de si. Se multiplicarão após se desenvolverem. Com o amor, o tempo e a brisa.

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No todo e no nada

No início, no meio e no fim somos todos raízes no todo da terra entrelaçados;  no tronco: solitários; no social: libertados, na medida do alcance dos nossos galhos, compartilhando na leveza do ar das ideias, nas ações dos ventos. De onde vão e vem o todo do nada que nada no todo.

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Hegel expressa que num ramo de árvore está o universal e o particular
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 Ela as observa quando vai e vem do nada, quando lhe convém, quando é grama e terra, quando é pássaro e pedra, quando está na entrega. E é "como se"... os dois significantes que a fazem voltar para escrever. 

Mariana Bernardes Goulart ( No mundo)

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A PARTE ESCRITA

Hoje, 
eu idealizava apenas me entregar a vivenciar o dia, 
e escrever em outro momento que recolhe os fragmentos. 
Porém, já não poderia deixar de bordar letra-a-letra e criar o dia ao mesmo tempo que o vivia, na busca das palavras 
consonantes à imagem e às cores que recebo e dou ao dia do dia.
 A escrita que se soma em minha vida e a multiplica. 
Não escrevo sem viver e disso, já sabia, o que hoje se revelaria ao andar do dia 
é que 
já não posso viver sem escrever.


Convém dizer que escrevo porque vivo e vivo porque escrevo
Essa é 
a vida
que parte da parte da parte da parte

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

domingo, 25 de agosto de 2013

Voir Créer


Depois do silêncio... 
na superfície do que resta do resto que não retornou como o flash à escuridão. A marca na retina te atravessa, na mente reflete em teus vieses o revés do resto no movimento dos lábios, do lápis... alguma coisa que te diga viva.



Voir  Créer


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CréerVoir


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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Se foi eu fiquei para escrever...



Para quem já silenciou
e percebeu algo como a fumaça do incenso à luz do sol, 
ou qualquer outro objeto em qualquer outra luz...

No brilho da estrela maior, estrela que faz o dia, dá luz aos detalhes e formas em seus movimentos.
Antes, ocultos, em nós, embaraçados. 
E silencio o desejo de eternizar o efêmero.
Somente depois, na superfície do silêncio, eternizar a experiência na letra que forma para contar o inefável do profundo silêncio que se expande no universo, raiz profunda das palavras.... 
E quem negaria que, ela, efeito do fogo, perfume da alma, vista na luz: dançava e fluía ao som da mesma música que eu ouvia.
E depois cinzas, perfume, beleza, leveza. In-vento flui  para o nada que traz o todo que nada no todo e se manifesta em ínfimo efêmero, imperfeito. Como as palavras que concebo, ou recebo, em-forma o profundo pulsante fluído. 



...e que venha o que virá me silenciar, mas venha devagar e me abane ao passar...

...Mariana Bernardes Goulart...

terça-feira, 2 de julho de 2013

Mistérios das estações

Um verão de alegria
Uma primavera plena de poesia
Um Outono com dignidade
Um inverno com coragem

À vida gratidão
Ao amor comunicação
Mistérios das estações

E a música o que converge
Quanto aos ruídos meros efeitos dos necessários movimentos
Na mente que não encubram a música a tal ponto que não possamos
mais acreditar na beleza de cada estação e que todas estão contidas em uma
Não poderia ser diferente essa é a vida da gente e do espírito das árvores
que voam com suas sementes.

Mariana Bernardes Goulart



sexta-feira, 28 de junho de 2013

Da série árvores





CARRY ON  

Falavam galhos ressequidos:
- O que? Onde vais?  Pensas que atravessarás o muro?  O muro é duro, amigo.
Uma lágrima percorreu o broto, olhos arregalados, respondeu para dentro.
 E fora, o silêncio de quem segue em frente.
E permanecem os ressequidos em  sua fala quebrada :
- Pequeno broto, tão imaginativo.
O broto segue e imaginativo.
E ele continua, onde os outros desistem.
-O muro é escuro, vais entrar aí? Nem tem espaço para que passes. Acreditas que será árvore?
O broto já não estava ali, já era raiz, já era caule, já era folha, dançou nos sulcos, ofertou flores.
Raiz bailarina de um mundo abissal.
A pedra cedeu um pedaço de si,  gostou do afago que recebeu e deu passagem.
Todos diziam que era tão fria, mas não sabiam o quanto ela gostava da vida e dava passagem à poesia.
 
(Fotografia e Escrita por: Mariana Bernardes Goulart).


segunda-feira, 17 de junho de 2013

"Eu vou! por que não?"



"Eu vou! por que não?"

Pensa(dor), 
               transforma(dor) e
                                   liberta(dor). 

            A dor é o nó que segura os passos; o medo: a miopia do mundo. Saltea(dor). Solte-a. Venha dançar no universo do encontro psicoterapêutico do movimento que fala(dor), brinca(dor), ressignifica(dor) e supera(dor). E o repõe no centro de seu ser devir. Podem vir! 
É uma jornada de amor à vida VIVA. Pode ser, por vezes, dolorida, mas é mais colorida e não ressequida. 

               É buscar a melhor cor, o melhor sabor, o maior amor... não dar espaço para o "d" do desânimo, do dedo que aponta com desdém as feridas de algum alguém, enquanto foge da sua(dor) e pânico. 

              Lembro-me, nesse instante fecundo, de uma música de uma Banda chamada Subtropicais que dizia assim: " Por que você não pula na piscina do teu próprio coração". 

Parafraseando Caetano Veloso: 
E lá fazer um "anti computa(dor) sentimental", para identificar o objeto voa(dor) e quem sabe encontrar "a sua" "Alegria, Alegria". Que pode ser a de Caetano, a minha, ou simplesmente a sua música inédita. 

Podem vir!!!!!! 

Mariana Bernardes Goulart - Psicóloga - CRP 07/20568
mari.gou@hotmail.com


Agradecimento: À Vida e sua potência; À Simone Armentano Bittencourt, seu olhar, e sua interpretação do Pensa(dor), quebra na palavra que desdobrou essa escrita.



domingo, 2 de junho de 2013

Em tempos de Rascunho...

 lendo, copiando, criando.... minhas ideias mergulhadas...
                              Inventando o inventado... escrevendo o pensado do impensável da ordem do indizível...

Em tempos de rascunho, meios que justificam fins...
                                                             Embaralhando Ferreira Gullar, Rilke, Deleuze, Lacan, Mariana....
                                                                                                               Mergulhando na madrugada...  "na radiante solidão
                        mãe do poema..."    
                                                  "O futuro não está fora de nós,
                                                                                               mas dentro como a morte
                                                                                                 que só nos vem ao encontro depois de
          amadurecida".
                                                                                                                   O futuro é a poesia.
                                               

domingo, 10 de março de 2013

Da série minha janela


ABRIU EM MARÇO

Onde vão os meus olhos?
Onde vão meus pensamentos...
Criar, pensar, andar, viajar, amar, estudar
e escutar e tocar e somar...

E depois, ou antes, de tanto ar adentrar, expirar e inspirar.
Escrever, entender, estender, inverter, percorrer, reviver, escolher;
O ar, o er, o ir.
Conjugar no infinito do finito condensador

No vão dos meus desejos: os pensamentos.
No vão da minha ação: a escrita.
Hoje a janela refratou: não respondeu, não amou, não envolveu
Onde vão meus pensamentos...

Vão ser vão de outros "ejos".
Conjugados em novos tempos.
Em flexão e outros "ão".
No limite do espaço-tempo de muitos modos...

Sorrir, rir, ir onde vão os meus olhos,
Meus desejos, minha escrita, minha ação.
Tudo por um mergulho que faça vão nos pensamentos.

No plural sorrir, abrir a porta que a janela fechou.
No tempo que escoou [...].
E já passou o contido; está colorido, sorrindo. Abriu.

( Na minha janela, em Março de 2013. Mariana).

domingo, 17 de fevereiro de 2013

"Da série minha janela" em interface com "Do meu coração"...do que vejo, do que sinto.




 E antes, inebriada pela imensidão intocada, deitada na grama do quintal, já as olhava "brilhar, brilhar, quase sem querer". Antes, naqueles dias de infância, sempre a vê-las, desejando entendê-las. Elas e seus movimentos, que ainda não eram entendidos como meus.  E existia a certeza que elas podiam também me ver e quem sabe me entender... Olhos arregalados, esperando o que me fizesse crescer.  Estrela. Estrela. As músicas sempre me contavam os segredos das constelações do outro polo do meu coração. Agora, já não  há tantos segredos. "Deixar, deixar ser o que se é", já sou, já sou o que sempre fui.


Mariana Bernardes Goulart

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Voar

Meus pés
O chão Sem chão
As nuvens
Meus pés nas nuvens
E o próximo passo?
Melhor abrir os braços...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Produção Musical: Uma envolvente arte que toca os sentidos e mergulha na alma





A música como uma dádiva que abarca a imensidão da vida

Mariana Bernardes Goulart 

            A pretensão deste escrito é produzir construções abertas, versando e conversando sobre a “experiência-com”; com o que toca nossos sentidos, em especial a composição musical acrescida de imagens e movimentos, através da convergência de mídias. Busco refletir, pela via da experiência, sobre o potencial que a música apresenta de auxiliar que nos encontremos com nosso mundo interno e auxiliar nos processos de representação. Neste sentido, procurei colocar em palavras tal experiência, através do encontro com uma composição que se chama “A solidão da casa ¹”. O título da produção, em particular, remete a um espaço onde muitas vezes ocorre o encontro e a entrega à experiência musical. A casa como um local que abrange a imensidão da vida de cada um, representada através da experiência musical.



Traduções possíveis: Uma construção singular que não se fecha em si

         “Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: ‒ Me ajuda a olhar!” (Função da Arte/1 Eduardo Galeano)


             Há um amigo que com frequência questiona minha tendência a colocar em palavras e procurar significados ao que toca meu sentir e meu pensar. Acabei o sentindo, com um incomodo e com uma resistência em relação as traduções que não ecoavam na sua rede de sentidos. Certa vez, me entreguei à tentação de explicar-lhe que eram construções abertas, mais provocações, do que propriamente traduções que fechariam uma compreensão. Posteriormente, me dei conta que existe, sim, a necessidade de uma compreensão que dê um fechamento, que busque um sentido. O que faz o ser humano nessa vida, senão buscar sentidos? Claro que as linguagens são múltiplas e os significados passíveis de reescrita. A minha expressão da linguagem passa muito pelo sentir e se realiza no verbal. É a tentativa de dizer o indizível, traduzir o intraduzível. Isso é ousado e maluco, mas como não vim com dons para me expressar através das artes visuais, ou pela composição sonora, fico com as palavras e admiro os talentos alheios que diversificam e enriquecem minhas experimentações, meu sentir e meu pensar. Enfim, começo minha nova construção colocando em palavras minha experiência com uma produção musical, e pode ser que não faça nenhum sentido para alguns e muito sentido para outros. 
            Gosto muito quando as pessoas produzem diálogos, quando me questionam e se inquietam, pois penso ser a inquietação intelectual uma qualidade essencial a quem se propõe criar algo verdadeiro e novo. Assim bebo das criações artísticas, das inquietudes, das gavetas abertas, para deixar que minha inquietude produza algo, com ou sem sentido, mas que, em primeiro momento, construa.  Essa disposição à inquietação produtiva me habita e me deixa em tensão, me ampara e desampara, me atira só, marca a solidão da minha experiência. Nessa experiência solitária, a linguagem é o que me liberta e me prende ao mesmo tempo, pois à medida que escrevo, vai ficando mais claro quão difícil é verbalizar de modo preciso sem que haja perda de significado, ou escrever de modo significativo sem perder a precisão. Então nessa corda bamba, vou ousar seguir em frente.


Construção singular na solidão da casa

             ”A solidão da casa” é uma produção que apresenta uma “alma que se espalha” em um determinado contexto. Experiência condensada em música e imagens, que no instante presente se descondensa na interioridade do meu ser, nessa hora já não é mais do autor e sim minha. Penso ser essa, uma, das experiências de quem se entrega a alguma canção, ou literatura. É como algo externo a mim, que se torna eu, como um processo de introjeção, que conforme Laplanche e Pontalis (1998) é um processo, no qual o sujeito faz passar de um modo fantasístico, de  “fora” para “dentro”, objetos e qualidades inerentes a esses objetos. No caso, “a solidão da casa”.  Ainda, explanam os autores, que a introjeção está estreitamente relacionada com a identificação, no sentido de identificar-se, que abrange uma série de conceitos psicológicos, tais como empatia, simpatia, contágio mental, projeção, etc.
              Durante o último mês, li dois textos que me remeteram ao que eu estava tentando explicar, sobre a minha experiência com a música, em especial, a música abordada nesse texto. Assim, escolhi duas citações para tentar compartilhar o que andou ecoando nos meus pensamentos, na minha cadeia de associações. No recorte abaixo, pensava no encontro dos sentidos com a produção alheia, bem como, de que forma nos apropriamos dessas produções.
“ educar é um trabalho sobre o instante do acaso(dos sentido) de perceber a obra. ‘Este olhar que é, a um só tempo, o lugar e o olho’, estas belas palavras não eram minhas, eram de Paul Virílio. Enquanto estavam lá, na página do livro. Agora elas são também minhas e em breve serão nossas” (ORTHOF, 2002)

              Lembrei-me de imediato de uma opinião do autor da música, que em uma conversa sobre divulgar composições, fez relação com a entrega dos filhos ao mundo. Penso que tal ato converte amor, generosidade, desprendimento e coragem. O que seria dos filhos se ficassem restritos aos desejos e gratificações de seus genitores? O que seria das produções artísticas se ficassem na gaveta fechada? Poder criar algo a ser compartilhado e que se constitua com uma vida própria a partir dos muitos encontros que se promoverá na entrega ao outro, é uma ideia que me agrada. Num sentido geral é um “meu” que é “nosso” e que não deixa de ser “meu”, por ser “nosso” e depois de "nosso", "teu" já novo.  A produção que acalentou uma inquietação minha, tua ou nossa, pode acalentar a inquietação, ou até inquietar aos outros e se (re)produzir para além, de seu ponto inicial. Existem na nossa experiência interior tantos afetos e sentimentos inomináveis, que a partir do encontro com a criação artística se inaugura uma possibilidade de ligação, de um sentido, que acalanta, que apazigua ou estimula, para além do que minhas palavras alcançam, nesse texto. E não poderia ser diferente, pois as palavras nunca alcançam totalmente a experiência e penso ser o artista alguém que tenta transcender esse limite. E o autor de “a solidão da casa”, em minha opinião, transcende, com seu violão, composição e imagens. Uma composição que proporcionou muitos afetos, enquanto ouvia e pensava nela.
            Em momentos que estamos paralisados por uma dor, um vazio, ou seja, lá o que for, e encontramos na arte uma resposta, uma direção, um conforto, ou até mesmo uma questão, é possível encontrar a dimensão da produção do outro como “Chamariz do devir ³”.  
            Nessa direção, seguindo dialogando com as leituras ecoantes, Naffah (1998), discorrendo sobre um equívoco da psicanálise, que seria pensar subjetividade e mundo como entes distintos, na oposição mundo interno / mundo externo, exemplifica, através de sua experiência com a música, que “o mundo nunca nos é totalmente interior, nem exclusivamente exterior: é parte do nosso ser, ingrediente da substância que nos compõe e por outro lado transcende-nos de ponta a ponta”. Dentro dessa ideia a apresento a experiência do autor, que vem a se enlaçar na minha experiência com a música que busco apresentar e seus efeitos. 
“Quando ouço uma música, por exemplo, se me abandono aos seus encantos, sou literalmente tomado e possuído pelos seus sons e todo turbilhão de afetos e de imagens que pululam no mesmo movimento. Dizer que a música consiste num ente mundano que, ao me tocar, desperta os afetos e imagens que (estes sim) forma meu ser, é falsear o acontecimento. Naquele momento – que pode durar uma eternidade – sou aquela música corporificada: ela habita meu corpo, flui no meu sangue, pulsa nas minhas veias, levando-me aos mais diferentes lugares. Transporta-me como tapete mágico e, no entanto, eu a tenho em mim, como uma membrana palpitante que reveste todo o meu íntimo, comprimindo-o e esvaziando-o como uma grande bexiga e novamente preenchendo-o de sons imagens, coloridos, vibrações. Está, ao mesmo tempo, fora e dentro. É mundo-subjetividade: outr’ em-mim.” (Naffah, 1998, p. 66)

               Conforme transcrevia, pensava na escolha dessas duas citações que ecoaram tão fortemente, em mim, enquanto pensava e necessitava escrever. Logo percebi que os dois textos estavam comprometidos com a questão do “devir” e da “arte” pelo ponto de vista da experimentação. E eu querendo apresentar a minha experiência com a música, que tenho como produção artística que se enlaçou ao meu cotidiano e reflexões nas últimas semanas. Portanto, sem alcançar precisão recebi um “pezinho” dos autores em questão.

Produção Musical: Uma envolvente arte que toca os sentidos e mergulha na alma

         As produções artísticas têm o potencial de provocar nossos sentimentos e pensamentos, mas antes, ainda, tocam nossos sentidos. Conforme Hanslick (1992), o belo toca em primeiro lugar nossos sentidos. Para este autor, a arte deve, antes de tudo, representar um belo e o meio pelo qual se entra em contato com o belo não é o sentimento, mas a fantasia, enquanto atividade de pura contemplação.
         Compreendo o belo, para além, da proposta do autor, penso que existe arte boa e arte ruim, arte bela e não bela, mas escolho citá-lo, pois penso ser a composição “a solidão da casa” uma bela criação. E sigo um pouco mais com as palavras de Hanslick (1992), para fundamentar o que tenho compreendido sobre contemplar a música e a arte como um todo, bem como a importância de se entregar as “fantasias” nesse encontro.
 “ É curioso como os músicos e antigos se deixam impressionar somente pelo contraste entre “sentimento” e “intelecto”, como se o fundamental não estivesse exatamente no meio desse suposto dilema. A obra musical surge da fantasia, do artista para a fantasia do ouvinte. Sem dúvida, diante do belo, a fantasia não é simplesmente uma contemplação, mas uma contemplação com intelecto, isto é, representação e juízos; este último ocorre com tamanha rapidez que nem chegamos a ter consciência dos processos isolados, e a ilusão nasce de imediato, o que na verdade depende de múltiplos processos espirituais intermediários. De mais a mais, a palavra contemplação, há muito transposta das representações visuais, para todas as manifestações dos sentidos, corresponde perfeitamente ao ato de escutar com atenção, que consiste num observar sucessivo das formas sonoras. A despeito disso, a fantasia não é absolutamente um território fechado: se, por um lado, extrai suas centelhas de vida das sensações, por outro, projeta seus raios velozmente sobre a atividade do intelecto e do sentimento. Estes, contudo, são apenas territórios limítrofes para a concepção do belo”. (HANSLICK, 1992)

         Enfim, é preciso correr riscos e se deixar envolver pela obra. A arte, a criação deve estar comprometida com a inteligência. É quando há esse comprometimento que captamos a imensidão da vida que há na arte e a imensidão de arte que há na vida. Ela deve exigir do espectador, tanto esforço quanto exigiu do criador. No caso da música, o ouvinte deve estar comprometido com a entrega de seus sentidos e de seu fantasiar. A música pode ser apreciada, como uma companhia, que simplesmente nos acompanha, ou, além disso, pode conversar conosco e mergulhar no nosso ser e estar, preenchendo momentos da nossa vida. Algumas nos acompanham por dias, outras por meses, outras, ainda, por uma vida. Há também as músicas que acompanham determinados humores e lembranças.
             No caso da criação, “a solidão da casa”, além de música, se encontra imagens, que lembram cenas de um cotidiano que parece falar de uma existência interna e externa. Um dentro e fora que vão se mesclando em letra de música, sons e imagens. A forma como o autor registrou o mundo a sua volta, bem como a forma que deu a mescla referida acima, obteve um resultado, invadiu meus sentidos, buscando raízes em mim. Deu visibilidade a um mundo de experiências, objetivas e subjetivas. E no corpo encontrou meus olhos que choram, com a torneira que pingava. E na mente, encontrou, a minha inquietude, nas imagens em movimentos que quase tonteavam, encontrou também a paz que não ensina, entre outros encontros. É deveras uma produção com potencial de absorver e ser absorvida.
           Parto do ponto da produção musical, como criação artística, e a experiência com esta criação implica que a experimentemos, a tal ponto, que possamos absorver e sermos absorvidos. Que possamos seguir nossas existências, deixando e levando algo dos encontros, em atos criativos.
           Conforme Marcel Duchamp (1975), no ato criador, o artista passa da intenção à realização através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas. Afirma Paul Klee,(in TESSLER 1997) que a arte não reproduz o visível, torna visível.                
Na produção “a solidão da casa”, encontrei uma experiência sensível do imaterial, experimentado em sonoridade, transformado em linguagem verbal e ainda experimentado em imagem. Podemos pensar a imagem, atualmente como algo que tem se expandido, conforme Moraes (2002), do eterno para o contingente, da documentação fiel da realidade para a percepção de que qualquer imagem, mesmo capturada mecanicamente, não é jamais espelho do real, mas sim visão subjetiva do mundo. Certamente essa compreensão não se esgota com o ponto que eu coloquei, mas atende aos interesses dessa explanação. Recorro um pouco mais a Moraes, para fundamentar a profundidade das imagens digitais que ainda produzem efeito em mim.
 “A imagem digital pode ir bem além desse espelhamento do real. Através da computação gráfica, ela pode criar uma nova realidade, expandindo um caminho iniciado com a perspectiva renascentista e as ilusões de ótica da arte barroca. A malha perspéctica, ou seja, a ferramenta do desenho que cria a terceira dimensão e as deformações marginais dela, é apropriada e potencializada. As linhas dessa malha saem do plano do papel para o ambiente tridimensional virtual do computador. A ilusão de ótica já não é mais o fim, mas um meio para potencializar um ilusionismo cada vez mais intrigante e plausível. Ou, ao contrário, mais delirante e surreal”. (Moraes, 2002)
                                   
            As imagens e a música condensadas expressão a interpenetração entre o mundo humano, o mundo da natureza e o mundo da técnica, nas inúmeras vezes que se misturam. Isso é o que fui encontrando na produção, em análise. Então, quando a música tocou meus ouvidos, meus pensamentos, meus sentimentos, minha pele, minha intuição, entrei em estado inicial de contemplação e posteriormente invadida, pela inquietação intelectual. Experimentei a produção nas diversas dimensões. Por vezes, fechei os olhos e ouvi a música, outras, apenas vi o vídeo sem o som, outras ainda, o vídeo com a música. E ainda mudei, algumas vezes, o foco da atenção, da seqüência de sons, para a letra e vice versa.  Acompanhei com meu pensamento a letra, o som, a imagem. E gostei de como o autor condensou, expressou e interpenetrou mundos.
            Na solidão da casa tem música, tem louça, tem mosca, luz, escuro, espinho, caminhos, sons, silêncio, livros, histórias, chuva e lua. E por trás disso, um ser humano que em imagens e som condensa sua experiência interior e exterior, subjetividade e mundo, de forma que no espaço da solidão da casa, tal experiência se transforma em arte. “Isso enquanto o mundo dorme sem saber” que há duas vozes que cantam e que se experimentam, a voz da fantasia e da realidade.
           A música toca quem faz e toca quem escuta, quando boa, vai da fantasia do artista a fantasia do ouvinte. A música não é o único, mas pode ser um importante instrumento de trabalho mental e emocional, ampliando as formas de ver e vivenciar o mundo. Auxiliando nos encontros consigo e com outros mundos, pelo caminho do belo, do sentir, do se deixar emocionar e se envolver. Assim se torna uma dádiva a imensidão da vida.
         O autor, provavelmente se envolveu e abraçou sua ideia, o raciocínio do espaço e girou feito vinho, mostrou algumas coisas que ninguém vê.  Produziu uma bela e tocante música. Construiu na solidão da casa a experiência da solidão imaterial de José, que toca a de João, que toca a de Maria, que toca a de Mariana. E nessa hora, a alma de José se espalha, ecoando em outras almas e a composição já está tocando em outras “casas”. Já não é mais apenas José, é um filho no mundo e para o mundo.

(Escrito em Fevereiro de 2011, por Mariana Bernardes Goulart)

NOTAS
1  http://www.youtube.com/watch?v=Wbp3_wyyhYA

REFERÊNCIAS

DUCHAMP, Marcel. “O Ato Criador”. In: BATTCOK, G. (org.). A nova arte. São Paulo:
Perspectiva. 1975

GALEANO, Eduardo. O livro dos abracos. Porto Alegre, LPM, 2002.

HANSLICK Eduard, Do belo musical. 2ª edição editora unicamp 1992.
NAFFAH NETO, Alfredo Outr’em-mim: ensaios, crônicas, entrevistas . São Paulo: Plexus, 1998.

LAPLANCHE, J., & PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, (1994).


MORAES, Angélica de. A fotografia contemporânea e as novas mídias in Mídia-arte: fomento e desdobramentos. II Fórum de debates do prêmio cultural Sérgio Motta. São Paulo: Instituto Sérgio Motta, 2002.

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TESSLER, E. . Obras e sobras: rupturas na arte contemporânea. Porto Arte (UFRGS), Porto Alegre, v. 4, n. 4, p. 16-23, 1997.http://www.youtube.com/watch?v=Wbp3_wyyhYA

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Poesia de Rodoviária


Passos, pernas, pessoas
Minutos, momentos, música
Espera...
Menina sentada na mala, vestido rosa, mochila lilás.
Bolinhas de sabão! Belezas de verão
Espera do encontro com o mar
Espera com efêmeras bolinhas de sabão
Imensidão da vida no "ínfimo do íntimo infinito"
Despedida do ano bom que passou como bolinhas de sabão
Passos, pernas, minutos, momentos, músicas... com bolinhas de sabão
Essa foi minha poesia de verão

Mariana Bernardes Goulart