As estações se repetem todos os anos, mas a cada ano mudam os detalhes de como se manifestam.
Os dias também se repetem, como palco de expressão, e eu uso livremente esse palco para expressar o que tenho aprendido e o que busco viver, conhecer... Por isso, renasço a cada dia, concebo novas ideias, descubro novas maneiras de semear, para dar fruto que possa alimentar alguma vida, além da minha.
A flor do inverno, ao me ver passar, abanou, solicitou que eu a admirasse com calma, e que a levasse nos meus olhos para melhor compreendê-la. E, por fim, que eu escutasse o que as doces metáforas de sua presença me contam e me contarão, nos muitos representantes da representação... compreensões libertadoras, leve-as no seu coração, na sua alma e manifeste na ação de se admirar e sorrir, a vida lhe devolverá sorrisos, mesmo em dias de espinhos... conhecimento, sabedoria, respeito e delicadeza e passarás pelos espinhos, encontrarás o que veio buscar.
Quando a ciência entrar em teu coração e a sabedoria for doce em tua alma, pede e te será dado.
A Flor do inverno no passar dos dias... no movimento da natureza e do olhar.
Multiplicada na intersecção do inverno com a primavera, novas folhas para escrever o verão.
Novo Blog em criação...
Mariana Bernardes Goulart ( no mundo, em breve em crônica, conto e graça)
Duas
árvores que poderiam ser três, ou todas do mundo, mas eram duas que apenas
aspiravam ofertar oxigênio para o mundo respirar, até que começaram a se fitar.
Árvores,
doces árvores, generosas árvores... Ninguém sabia dos dias que vertiam lágrimas, pois
elas continuavam ali.Fortes. Sutis. E quem poderia negar que os braços mais desenvolvidos
eram os que se direcionavam ao outro, na solidão de seus crescimentos se
fitavam.
Algumas
flores, alguns frutos, em algumas estações exalavam beleza, noutras, perdiam
suas folhas, não sem pesar, mas para manterem-se vivas. Elas sabiam que era a
lei da vida. Alguns dias choravam folhas com os ventos que as sacolejavam, mas não
sem beleza, apenas leves tristezas levadas com o vento. E devolviam flores,
carinhos em brisa. O mesmo vento que leva suas folhas é o que espalha suas sementes. E é assim que se encontram após se fitarem. Lançando suas sementes ao vento. E é assim que se reproduzem para além de si. Se multiplicarão após se desenvolverem. Com o amor, o tempo e a brisa.
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No
todo e no nada
No
início, no meio e no fim somos todos raízes no todo da terra entrelaçados; no tronco: solitários; no social: libertados,
na medida do alcance dos nossos galhos, compartilhando na leveza do ar das
ideias, nas ações dos ventos. De onde vão e vem o todo do nada que nada no
todo.
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Hegel
expressa que num ramo de árvore está o universal e o particular
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Ela as observa quando vai e vem do nada, quando lhe convém, quando é grama e terra, quando é pássaro e pedra, quando está na entrega. E é "como se"... os dois significantes que a fazem voltar para escrever. Mariana Bernardes Goulart ( No mundo)
na superfície do que resta do resto que não retornou como o flash à escuridão. A marca na retina te atravessa, na mente reflete em teus vieses o revés do resto no movimento dos lábios, do lápis... alguma coisa que te diga viva.
Para quem já silenciou
e percebeu algo como a fumaça do incenso à luz do sol,
ou qualquer outro objeto em qualquer outra luz...
No brilho da estrela maior, estrela que faz o dia, dá luz aos detalhes e formas em seus movimentos.
Antes, ocultos, em nós, embaraçados.
E silencio o desejo de eternizar o efêmero.
Somente depois, na superfície do silêncio, eternizar a experiência na letra que forma para contar o inefável do profundo silêncio que se expande no universo, raiz profunda das palavras....
E quem negaria que, ela, efeito do fogo, perfume da alma, vista na luz: dançava e fluía ao som da mesma música que eu ouvia.
E depois cinzas, perfume, beleza, leveza. In-vento flui para o nada que traz o todo que nada no todo e se manifesta em ínfimo efêmero, imperfeito. Como as palavras que concebo, ou recebo, em-forma o profundo pulsante fluído.
...e que venha o que virá me silenciar, mas venha devagar e me abane ao passar...
Um verão de alegria
Uma primavera plena de poesia
Um Outono com dignidade
Um inverno com coragem
À vida gratidão
Ao amor comunicação
Mistérios das estações
E a música o que converge
Quanto aos ruídos meros efeitos dos necessários movimentos
Na mente que não encubram a música a tal ponto que não possamos
mais acreditar na beleza de cada estação e que todas estão contidas em uma
Não poderia ser diferente essa é a vida da gente e do espírito das árvores
que voam com suas sementes.
A dor é o nó que segura os passos; o medo: a miopia do mundo. Saltea(dor). Solte-a. Venha dançar no universo do encontro psicoterapêutico do movimento que fala(dor), brinca(dor), ressignifica(dor) e supera(dor). E o repõe no centro de seu ser devir. Podem vir!
É uma jornada de amor à vida VIVA. Pode ser, por vezes, dolorida, mas é mais colorida e não ressequida.
É buscar a melhor cor, o melhor sabor, o maior amor... não dar espaço para o "d" do desânimo, do dedo que aponta com desdém as feridas de algum alguém, enquanto foge da sua(dor) e pânico.
Lembro-me, nesse instante fecundo, de uma música de uma Banda chamada Subtropicais que dizia assim: " Por que você não pula na piscina do teu próprio coração".
Parafraseando Caetano Veloso:
E lá fazer um "anti computa(dor) sentimental", para identificar o objeto voa(dor) e quem sabe encontrar "a sua" "Alegria, Alegria". Que pode ser a de Caetano, a minha, ou simplesmente a sua música inédita.
Agradecimento: À Vida e sua potência; À Simone Armentano Bittencourt, seu olhar, e sua interpretação do Pensa(dor), quebra na palavra que desdobrou essa escrita.
lendo, copiando, criando.... minhas ideias mergulhadas...
Inventando o inventado... escrevendo o pensado do impensável da ordem do indizível...
Em tempos de rascunho, meios que justificam fins...
Embaralhando Ferreira Gullar, Rilke, Deleuze, Lacan, Mariana....
Mergulhando na madrugada... "na radiante solidão
mãe do poema..."
"O futuro não está fora de nós,
mas dentro como a morte
que só nos vem ao encontro depois de
amadurecida".
O futuro é a poesia.
Onde vão os meus olhos?
Onde vão meus pensamentos...
Criar, pensar, andar, viajar, amar, estudar
e escutar e tocar e somar...
E depois, ou antes, de tanto ar adentrar, expirar e inspirar.
Escrever, entender, estender, inverter, percorrer, reviver, escolher;
O ar, o er, o ir.
Conjugar no infinito do finito condensador
No vão dos meus desejos: os pensamentos.
No vão da minha ação: a escrita.
Hoje a janela refratou: não respondeu, não amou, não envolveu
Onde vão meus pensamentos...
Vão ser vão de outros "ejos".
Conjugados em novos tempos.
Em flexão e outros "ão".
No limite do espaço-tempo de muitos modos...
Sorrir, rir, ir onde vão os meus olhos,
Meus desejos, minha escrita, minha ação.
Tudo por um mergulho que faça vão nos pensamentos.
No plural sorrir, abrir a porta que a janela fechou.
No tempo que escoou [...].
E já passou o contido; está colorido, sorrindo. Abriu.
E antes, inebriada pela imensidão intocada,
deitada na grama do quintal, já as olhava "brilhar, brilhar, quase sem
querer". Antes, naqueles dias de infância, sempre a vê-las, desejando
entendê-las. Elas e seus movimentos, que ainda não eram entendidos como
meus. E existia a certeza que elas
podiam também me ver e quem sabe me entender... Olhos arregalados, esperando o que
me fizesse crescer. Estrela. Estrela. As
músicas sempre me contavam os segredos das constelações do outro polo do meu
coração. Agora, já não há tantos segredos. "Deixar, deixar ser o que se é", já
sou, já sou o que sempre fui.
A música como uma dádiva que abarca a imensidão da vida
Mariana Bernardes Goulart
A pretensão deste escrito é
produzir construções abertas, versando e conversando sobre a “experiência-com”; com o que toca nossos
sentidos, em especial a composição musical acrescida de imagens e movimentos,
através da convergência de mídias. Busco refletir, pela via da experiência,
sobre o potencial que a música apresenta de auxiliar que nos encontremos com nosso
mundo interno e auxiliar nos processos de representação. Neste sentido,
procurei colocar em palavras tal experiência, através do encontro com uma
composição que se chama “A solidão da casa ¹”. O título da produção, em
particular, remete a um espaço onde muitas vezes ocorre o encontro e a entrega
à experiência musical. A casa como um local que abrange a imensidão da vida de
cada um, representada através da experiência musical.
Traduções possíveis: Uma
construção singular que não se fecha em si
“Diego não conhecia o mar. O pai,
Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e
o pai alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar
estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu
fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar,
tremendo, gaguejando, pediu ao pai: ‒ Me ajuda a olhar!” (Função da Arte/1
Eduardo Galeano)
Há
um amigo que com frequência questiona minha tendência a colocar em palavras e
procurar significados ao que toca meu sentir e meu pensar. Acabei o sentindo,
com um incomodo e com uma resistência em relação as traduções que não ecoavam
na sua rede de sentidos. Certa vez, me entreguei à tentação de explicar-lhe que
eram construções abertas, mais provocações, do que propriamente traduções que
fechariam uma compreensão. Posteriormente, me dei conta que existe, sim, a
necessidade de uma compreensão que dê um fechamento, que busque um sentido. O
que faz o ser humano nessa vida, senão buscar sentidos? Claro que as linguagens
são múltiplas e os significados passíveis de reescrita. A minha expressão da linguagem passa muito pelo sentir e se realiza no verbal. É a tentativa de dizer o indizível,
traduzir o intraduzível. Isso é ousado e maluco, mas como não vim com dons para
me expressar através das artes visuais, ou pela composição sonora, fico com as
palavras e admiro os talentos alheios que diversificam e enriquecem minhas
experimentações, meu sentir e meu pensar. Enfim, começo minha nova construção colocando
em palavras minha experiência com uma produção musical, e pode ser que não faça
nenhum sentido para alguns e muito sentido para outros.
Gosto muito quando as pessoas produzem
diálogos, quando me questionam e se inquietam, pois penso ser a inquietação intelectual
uma qualidade essencial a quem se propõe criar algo verdadeiro e novo. Assim
bebo das criações artísticas, das inquietudes, das gavetas abertas, para deixar
que minha inquietude produza algo, com ou sem sentido, mas que, em primeiro
momento, construa. Essa disposição à inquietação
produtiva me habita e me deixa em tensão, me ampara e desampara, me atira só,
marca a solidão da minha experiência. Nessa experiência solitária, a linguagem é
o que me liberta e me prende ao mesmo tempo, pois à medida que escrevo, vai
ficando mais claro quão difícil é verbalizar de modo preciso sem que haja perda
de significado, ou escrever de modo significativo sem perder a precisão. Então
nessa corda bamba, vou ousar seguir em frente.
Construção singular na solidão da casa
”A
solidão da casa” é uma produção que apresenta uma “alma que se espalha” em um determinado
contexto. Experiência condensada em música e imagens, que no instante presente se
descondensa na interioridade do meu ser, nessa hora já não é mais do autor e
sim minha. Penso ser essa, uma, das experiências de quem se entrega a alguma
canção, ou literatura. É como algo externo a mim, que se torna eu, como
um processo de introjeção, que conforme Laplanche e Pontalis (1998) é um
processo, no qual o sujeito faz passar de um modo fantasístico, de “fora” para “dentro”, objetos e qualidades
inerentes a esses objetos. No caso, “a solidão da casa”. Ainda, explanam os autores, que a introjeção
está estreitamente relacionada com a identificação, no sentido de
identificar-se, que abrange uma série de conceitos psicológicos, tais como
empatia, simpatia, contágio mental, projeção, etc.
Durante o último mês, li dois textos que me remeteram ao que eu estava
tentando explicar, sobre a minha experiência com a música, em especial, a
música abordada nesse texto. Assim, escolhi duas citações para tentar compartilhar
o que andou ecoando nos meus pensamentos, na minha cadeia de associações. No
recorte abaixo, pensava no encontro dos sentidos com a produção alheia, bem
como, de que forma nos apropriamos dessas produções.
“ educar é um trabalho sobre o instante do acaso(dos sentido)
de perceber a obra. ‘Este olhar que é, a um só tempo, o lugar e o olho’, estas
belas palavras não eram minhas, eram de Paul Virílio. Enquanto estavam lá, na
página do livro. Agora elas são também minhas e em breve serão nossas” (ORTHOF,
2002)
Lembrei-me de imediato de uma
opinião do autor da música, que em uma conversa sobre divulgar composições, fez
relação com a entrega dos filhos ao mundo. Penso que tal ato converte amor,
generosidade, desprendimento e coragem. O que seria dos filhos se ficassem
restritos aos desejos e gratificações de seus genitores? O que seria das
produções artísticas se ficassem na gaveta fechada? Poder criar algo a ser
compartilhado e que se constitua com uma vida própria a partir dos muitos
encontros que se promoverá na entrega ao outro, é uma ideia que me agrada. Num
sentido geral é um “meu” que é “nosso” e que não deixa de ser “meu”, por ser
“nosso” e depois de "nosso", "teu" já novo. A produção que acalentou uma
inquietação minha, tua ou nossa, pode acalentar a inquietação, ou até inquietar
aos outros e se (re)produzir para além, de seu ponto inicial. Existem na nossa
experiência interior tantos afetos e sentimentos inomináveis, que a partir do
encontro com a criação artística se inaugura uma possibilidade de ligação, de
um sentido, que acalanta, que apazigua ou estimula, para além do que minhas
palavras alcançam, nesse texto. E não poderia ser diferente, pois as palavras
nunca alcançam totalmente a experiência e penso ser o artista alguém que tenta
transcender esse limite. E o autor de “a solidão da casa”, em minha opinião,
transcende, com seu violão, composição e imagens. Uma composição que
proporcionou muitos afetos, enquanto ouvia e pensava nela.
Em momentos que estamos paralisados por uma
dor, um vazio, ou seja, lá o que for, e encontramos na arte uma resposta, uma
direção, um conforto, ou até mesmo uma questão, é possível encontrar a dimensão
da produção do outro como “Chamariz do devir ³”.
Nessa direção, seguindo dialogando
com as leituras ecoantes, Naffah (1998), discorrendo sobre um equívoco da
psicanálise, que seria pensar subjetividade e mundo como entes distintos, na
oposição mundo interno / mundo externo, exemplifica, através de sua experiência
com a música, que “o mundo nunca nos é totalmente interior, nem exclusivamente
exterior: é parte do nosso ser, ingrediente da substância que nos compõe e por
outro lado transcende-nos de ponta a ponta”. Dentro dessa ideia a apresento a
experiência do autor, que vem a se enlaçar na minha experiência com a música
que busco apresentar e seus efeitos.
“Quando ouço uma
música, por exemplo, se me abandono aos seus encantos, sou literalmente tomado
e possuído pelos seus sons e todo turbilhão de afetos e de imagens que pululam
no mesmo movimento. Dizer que a música consiste num ente mundano que, ao me
tocar, desperta os afetos e imagens que (estes sim) forma meu ser, é falsear o
acontecimento. Naquele momento – que pode durar uma eternidade – sou aquela
música corporificada: ela habita meu corpo, flui no meu sangue, pulsa nas
minhas veias, levando-me aos mais diferentes lugares. Transporta-me como tapete
mágico e, no entanto, eu a tenho em mim, como uma membrana palpitante que
reveste todo o meu íntimo, comprimindo-o e esvaziando-o como uma grande bexiga
e novamente preenchendo-o de sons imagens, coloridos, vibrações. Está, ao mesmo
tempo, fora e dentro. É mundo-subjetividade: outr’ em-mim.” (Naffah, 1998, p.
66)
Conforme transcrevia, pensava na escolha dessas duas citações que
ecoaram tão fortemente, em mim, enquanto pensava e necessitava escrever. Logo
percebi que os dois textos estavam comprometidos com a questão do “devir” e da
“arte” pelo ponto de vista da experimentação. E eu querendo apresentar a minha
experiência com a música, que tenho como produção artística que se enlaçou ao
meu cotidiano e reflexões nas últimas semanas. Portanto, sem alcançar precisão
recebi um “pezinho” dos autores em questão.
Produção Musical: Uma envolvente
arte que toca os sentidos e mergulha na alma
As produções
artísticas têm o potencial de provocar nossos sentimentos e pensamentos, mas
antes, ainda, tocam nossos sentidos. Conforme Hanslick (1992), o belo toca em primeiro
lugar nossos sentidos. Para este autor, a arte deve, antes de tudo, representar
um belo e o meio pelo qual se entra em contato com o belo não é o sentimento,
mas a fantasia, enquanto atividade de pura contemplação.
Compreendo o
belo, para além, da proposta do autor, penso que existe arte boa e arte ruim,
arte bela e não bela, mas escolho citá-lo, pois penso ser a composição “a solidão
da casa” uma bela criação. E sigo um pouco mais com as palavras de Hanslick
(1992), para fundamentar o que tenho compreendido sobre contemplar a música e a
arte como um todo, bem como a importância de se entregar as “fantasias” nesse
encontro.
“ É curioso como os
músicos e antigos se deixam impressionar somente pelo contraste entre
“sentimento” e “intelecto”, como se o fundamental não estivesse exatamente no
meio desse suposto dilema. A obra musical surge da fantasia, do artista para a
fantasia do ouvinte. Sem dúvida, diante do belo, a fantasia não é simplesmente
uma contemplação, mas uma contemplação com intelecto, isto é, representação e
juízos; este último ocorre com tamanha rapidez que nem chegamos a ter
consciência dos processos isolados, e a ilusão nasce de imediato, o que na
verdade depende de múltiplos processos espirituais intermediários. De mais a
mais, a palavra contemplação, há muito transposta das representações visuais,
para todas as manifestações dos sentidos, corresponde perfeitamente ao ato de
escutar com atenção, que consiste num observar sucessivo das formas sonoras. A
despeito disso, a fantasia não é absolutamente um território fechado: se, por
um lado, extrai suas centelhas de vida das sensações, por outro, projeta seus
raios velozmente sobre a atividade do intelecto e do sentimento. Estes,
contudo, são apenas territórios limítrofes para a concepção do belo”.
(HANSLICK, 1992)
Enfim, é
preciso correr riscos e se deixar envolver pela obra. A arte, a criação deve
estar comprometida com a inteligência. É quando há esse comprometimento que
captamos a imensidão da vida que há na arte e a imensidão de arte que há na
vida. Ela deve exigir do espectador, tanto esforço quanto exigiu do criador. No
caso da música, o ouvinte deve estar comprometido com a entrega de seus
sentidos e de seu fantasiar. A música pode ser apreciada, como uma companhia, que simplesmente nos
acompanha, ou, além disso, pode conversar conosco e mergulhar no nosso ser e
estar, preenchendo momentos da nossa vida. Algumas nos acompanham por dias,
outras por meses, outras, ainda, por uma vida. Há também as músicas que
acompanham determinados humores e lembranças.
No caso da
criação, “a solidão da casa”, além de música, se encontra imagens, que lembram
cenas de um cotidiano que parece falar de uma existência interna e externa. Um
dentro e fora que vão se mesclando em letra de música, sons e imagens. A forma
como o autor registrou o mundo a sua volta, bem como a forma que deu a mescla
referida acima, obteve um resultado, invadiu meus sentidos, buscando raízes em
mim. Deu visibilidade a um mundo de experiências, objetivas e subjetivas. E no
corpo encontrou meus olhos que choram, com a torneira que pingava. E na mente,
encontrou, a minha inquietude, nas imagens em movimentos que quase tonteavam,
encontrou também a paz que não ensina, entre outros encontros. É deveras uma
produção com potencial de absorver e ser absorvida.
Parto do ponto da produção musical,
como criação artística, e a experiência com esta criação implica que a
experimentemos, a tal ponto, que possamos absorver e sermos absorvidos. Que
possamos seguir nossas existências, deixando e levando algo dos encontros, em
atos criativos.
Conforme Marcel Duchamp (1975), no
ato criador, o artista passa da intenção à realização através de uma cadeia de reações
totalmente subjetivas. Afirma Paul Klee,(in TESSLER 1997) que a arte não
reproduz o visível, torna visível.
Na produção “a
solidão da casa”, encontrei uma experiência sensível do imaterial,
experimentado em sonoridade, transformado em linguagem verbal e ainda experimentado em imagem. Podemos pensar a
imagem, atualmente como algo que tem se expandido, conforme Moraes (2002), do
eterno para o contingente, da documentação fiel da realidade para a percepção
de que qualquer imagem, mesmo capturada mecanicamente, não é jamais espelho do
real, mas sim visão subjetiva do mundo. Certamente essa compreensão não se
esgota com o ponto que eu coloquei, mas atende aos interesses dessa explanação.
Recorro um pouco mais a Moraes, para fundamentar a profundidade das imagens
digitais que ainda produzem efeito em mim.
“A imagem
digital pode ir bem além desse espelhamento do real. Através da computação
gráfica, ela pode criar uma nova realidade, expandindo um caminho iniciado com a
perspectiva renascentista e as ilusões de ótica da arte barroca. A malha
perspéctica, ou seja, a ferramenta do desenho que cria a terceira dimensão e as
deformações marginais dela, é apropriada e potencializada. As linhas dessa
malha saem do plano do papel para o ambiente tridimensional virtual do
computador. A ilusão de ótica já não é mais o fim, mas um meio para
potencializar um ilusionismo cada vez mais intrigante e plausível. Ou, ao
contrário, mais delirante e surreal”. (Moraes, 2002)
As imagens e a música condensadas expressão
a interpenetração entre o mundo humano, o mundo da natureza e o mundo da
técnica, nas inúmeras vezes que se misturam. Isso é o que fui encontrando na
produção, em análise. Então, quando a música tocou meus ouvidos, meus
pensamentos, meus sentimentos, minha pele, minha intuição, entrei em estado
inicial de contemplação e posteriormente invadida, pela inquietação
intelectual. Experimentei a produção nas diversas dimensões. Por vezes,
fechei os olhos e ouvi a música, outras, apenas vi o vídeo sem o som, outras
ainda, o vídeo com a música. E ainda mudei, algumas vezes, o foco da atenção,
da seqüência de sons, para a letra e vice versa. Acompanhei com meu pensamento a letra, o som,
a imagem. E gostei de como o autor condensou, expressou e interpenetrou mundos.
Na solidão da casa tem música, tem
louça, tem mosca, luz, escuro, espinho, caminhos, sons, silêncio, livros,
histórias, chuva e lua. E por trás disso, um ser humano que em imagens e som
condensa sua experiência interior e exterior, subjetividade e mundo, de forma
que no espaço da solidão da casa, tal experiência se transforma em arte.
“Isso enquanto o mundo dorme sem saber” que há duas vozes que cantam e que se
experimentam, a voz da fantasia e da realidade.
A música toca quem faz e toca quem
escuta, quando boa, vai da fantasia do artista a fantasia do ouvinte. A música
não é o único, mas pode ser um importante instrumento de trabalho mental e
emocional, ampliando as formas de ver e vivenciar o mundo. Auxiliando nos
encontros consigo e com outros mundos, pelo caminho do belo, do sentir, do se deixar
emocionar e se envolver. Assim se torna uma dádiva a imensidão da vida.
O autor, provavelmente se envolveu e abraçou
sua ideia, o raciocínio do espaço e girou feito vinho, mostrou algumas coisas
que ninguém vê. Produziu uma bela e
tocante música. Construiu na solidão da casa a experiência da solidão imaterial
de José, que toca a de João, que toca a de Maria, que toca a de Mariana. E
nessa hora, a alma de José se espalha, ecoando em outras almas e a composição
já está tocando em outras “casas”. Já não é mais apenas José, é um filho no
mundo e para o mundo.
(Escrito em Fevereiro de 2011, por Mariana Bernardes Goulart)
NOTAS
1 http://www.youtube.com/watch?v=Wbp3_wyyhYA
REFERÊNCIAS
DUCHAMP, Marcel. “O Ato Criador”. In: BATTCOK, G. (org.). A nova arte. São Paulo:
Perspectiva. 1975
GALEANO, Eduardo. O livro dos abracos. Porto
Alegre, LPM, 2002.
HANSLICK
Eduard, Do belo musical. 2ª edição editora unicamp 1992.
LAPLANCHE,
J., & PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, (1994).
MORAES, Angélica de. A
fotografia contemporânea e as novas mídias in Mídia-arte: fomento e
desdobramentos. II Fórum de debates do prêmio cultural Sérgio Motta.São
Paulo: Instituto Sérgio Motta, 2002.
ORTHOF Geraldo, O Chamariz do Devir : Pontos de Fuga/
Pontos de Partida. in: O MEIO COMO PONTO ZERO/Metodologia de
pesquisa em artes plásticas. Org: Blanca Brites e Elida Tessler. Ed.
UFRGS, 2002.
Passos, pernas, pessoas
Minutos, momentos, música
Espera...
Menina sentada na mala, vestido rosa, mochila lilás.
Bolinhas de sabão! Belezas de verão
Espera do encontro com o mar
Espera com efêmeras bolinhas de sabão
Imensidão da vida no "ínfimo do íntimo infinito"
Despedida do ano bom que passou como bolinhas de sabão
Passos, pernas, minutos, momentos, músicas... com bolinhas de sabão
Essa foi minha poesia de verão