segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Produção Musical: Uma envolvente arte que toca os sentidos e mergulha na alma





A música como uma dádiva que abarca a imensidão da vida

Mariana Bernardes Goulart 

            A pretensão deste escrito é produzir construções abertas, versando e conversando sobre a “experiência-com”; com o que toca nossos sentidos, em especial a composição musical acrescida de imagens e movimentos, através da convergência de mídias. Busco refletir, pela via da experiência, sobre o potencial que a música apresenta de auxiliar que nos encontremos com nosso mundo interno e auxiliar nos processos de representação. Neste sentido, procurei colocar em palavras tal experiência, através do encontro com uma composição que se chama “A solidão da casa ¹”. O título da produção, em particular, remete a um espaço onde muitas vezes ocorre o encontro e a entrega à experiência musical. A casa como um local que abrange a imensidão da vida de cada um, representada através da experiência musical.



Traduções possíveis: Uma construção singular que não se fecha em si

         “Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: ‒ Me ajuda a olhar!” (Função da Arte/1 Eduardo Galeano)


             Há um amigo que com frequência questiona minha tendência a colocar em palavras e procurar significados ao que toca meu sentir e meu pensar. Acabei o sentindo, com um incomodo e com uma resistência em relação as traduções que não ecoavam na sua rede de sentidos. Certa vez, me entreguei à tentação de explicar-lhe que eram construções abertas, mais provocações, do que propriamente traduções que fechariam uma compreensão. Posteriormente, me dei conta que existe, sim, a necessidade de uma compreensão que dê um fechamento, que busque um sentido. O que faz o ser humano nessa vida, senão buscar sentidos? Claro que as linguagens são múltiplas e os significados passíveis de reescrita. A minha expressão da linguagem passa muito pelo sentir e se realiza no verbal. É a tentativa de dizer o indizível, traduzir o intraduzível. Isso é ousado e maluco, mas como não vim com dons para me expressar através das artes visuais, ou pela composição sonora, fico com as palavras e admiro os talentos alheios que diversificam e enriquecem minhas experimentações, meu sentir e meu pensar. Enfim, começo minha nova construção colocando em palavras minha experiência com uma produção musical, e pode ser que não faça nenhum sentido para alguns e muito sentido para outros. 
            Gosto muito quando as pessoas produzem diálogos, quando me questionam e se inquietam, pois penso ser a inquietação intelectual uma qualidade essencial a quem se propõe criar algo verdadeiro e novo. Assim bebo das criações artísticas, das inquietudes, das gavetas abertas, para deixar que minha inquietude produza algo, com ou sem sentido, mas que, em primeiro momento, construa.  Essa disposição à inquietação produtiva me habita e me deixa em tensão, me ampara e desampara, me atira só, marca a solidão da minha experiência. Nessa experiência solitária, a linguagem é o que me liberta e me prende ao mesmo tempo, pois à medida que escrevo, vai ficando mais claro quão difícil é verbalizar de modo preciso sem que haja perda de significado, ou escrever de modo significativo sem perder a precisão. Então nessa corda bamba, vou ousar seguir em frente.


Construção singular na solidão da casa

             ”A solidão da casa” é uma produção que apresenta uma “alma que se espalha” em um determinado contexto. Experiência condensada em música e imagens, que no instante presente se descondensa na interioridade do meu ser, nessa hora já não é mais do autor e sim minha. Penso ser essa, uma, das experiências de quem se entrega a alguma canção, ou literatura. É como algo externo a mim, que se torna eu, como um processo de introjeção, que conforme Laplanche e Pontalis (1998) é um processo, no qual o sujeito faz passar de um modo fantasístico, de  “fora” para “dentro”, objetos e qualidades inerentes a esses objetos. No caso, “a solidão da casa”.  Ainda, explanam os autores, que a introjeção está estreitamente relacionada com a identificação, no sentido de identificar-se, que abrange uma série de conceitos psicológicos, tais como empatia, simpatia, contágio mental, projeção, etc.
              Durante o último mês, li dois textos que me remeteram ao que eu estava tentando explicar, sobre a minha experiência com a música, em especial, a música abordada nesse texto. Assim, escolhi duas citações para tentar compartilhar o que andou ecoando nos meus pensamentos, na minha cadeia de associações. No recorte abaixo, pensava no encontro dos sentidos com a produção alheia, bem como, de que forma nos apropriamos dessas produções.
“ educar é um trabalho sobre o instante do acaso(dos sentido) de perceber a obra. ‘Este olhar que é, a um só tempo, o lugar e o olho’, estas belas palavras não eram minhas, eram de Paul Virílio. Enquanto estavam lá, na página do livro. Agora elas são também minhas e em breve serão nossas” (ORTHOF, 2002)

              Lembrei-me de imediato de uma opinião do autor da música, que em uma conversa sobre divulgar composições, fez relação com a entrega dos filhos ao mundo. Penso que tal ato converte amor, generosidade, desprendimento e coragem. O que seria dos filhos se ficassem restritos aos desejos e gratificações de seus genitores? O que seria das produções artísticas se ficassem na gaveta fechada? Poder criar algo a ser compartilhado e que se constitua com uma vida própria a partir dos muitos encontros que se promoverá na entrega ao outro, é uma ideia que me agrada. Num sentido geral é um “meu” que é “nosso” e que não deixa de ser “meu”, por ser “nosso” e depois de "nosso", "teu" já novo.  A produção que acalentou uma inquietação minha, tua ou nossa, pode acalentar a inquietação, ou até inquietar aos outros e se (re)produzir para além, de seu ponto inicial. Existem na nossa experiência interior tantos afetos e sentimentos inomináveis, que a partir do encontro com a criação artística se inaugura uma possibilidade de ligação, de um sentido, que acalanta, que apazigua ou estimula, para além do que minhas palavras alcançam, nesse texto. E não poderia ser diferente, pois as palavras nunca alcançam totalmente a experiência e penso ser o artista alguém que tenta transcender esse limite. E o autor de “a solidão da casa”, em minha opinião, transcende, com seu violão, composição e imagens. Uma composição que proporcionou muitos afetos, enquanto ouvia e pensava nela.
            Em momentos que estamos paralisados por uma dor, um vazio, ou seja, lá o que for, e encontramos na arte uma resposta, uma direção, um conforto, ou até mesmo uma questão, é possível encontrar a dimensão da produção do outro como “Chamariz do devir ³”.  
            Nessa direção, seguindo dialogando com as leituras ecoantes, Naffah (1998), discorrendo sobre um equívoco da psicanálise, que seria pensar subjetividade e mundo como entes distintos, na oposição mundo interno / mundo externo, exemplifica, através de sua experiência com a música, que “o mundo nunca nos é totalmente interior, nem exclusivamente exterior: é parte do nosso ser, ingrediente da substância que nos compõe e por outro lado transcende-nos de ponta a ponta”. Dentro dessa ideia a apresento a experiência do autor, que vem a se enlaçar na minha experiência com a música que busco apresentar e seus efeitos. 
“Quando ouço uma música, por exemplo, se me abandono aos seus encantos, sou literalmente tomado e possuído pelos seus sons e todo turbilhão de afetos e de imagens que pululam no mesmo movimento. Dizer que a música consiste num ente mundano que, ao me tocar, desperta os afetos e imagens que (estes sim) forma meu ser, é falsear o acontecimento. Naquele momento – que pode durar uma eternidade – sou aquela música corporificada: ela habita meu corpo, flui no meu sangue, pulsa nas minhas veias, levando-me aos mais diferentes lugares. Transporta-me como tapete mágico e, no entanto, eu a tenho em mim, como uma membrana palpitante que reveste todo o meu íntimo, comprimindo-o e esvaziando-o como uma grande bexiga e novamente preenchendo-o de sons imagens, coloridos, vibrações. Está, ao mesmo tempo, fora e dentro. É mundo-subjetividade: outr’ em-mim.” (Naffah, 1998, p. 66)

               Conforme transcrevia, pensava na escolha dessas duas citações que ecoaram tão fortemente, em mim, enquanto pensava e necessitava escrever. Logo percebi que os dois textos estavam comprometidos com a questão do “devir” e da “arte” pelo ponto de vista da experimentação. E eu querendo apresentar a minha experiência com a música, que tenho como produção artística que se enlaçou ao meu cotidiano e reflexões nas últimas semanas. Portanto, sem alcançar precisão recebi um “pezinho” dos autores em questão.

Produção Musical: Uma envolvente arte que toca os sentidos e mergulha na alma

         As produções artísticas têm o potencial de provocar nossos sentimentos e pensamentos, mas antes, ainda, tocam nossos sentidos. Conforme Hanslick (1992), o belo toca em primeiro lugar nossos sentidos. Para este autor, a arte deve, antes de tudo, representar um belo e o meio pelo qual se entra em contato com o belo não é o sentimento, mas a fantasia, enquanto atividade de pura contemplação.
         Compreendo o belo, para além, da proposta do autor, penso que existe arte boa e arte ruim, arte bela e não bela, mas escolho citá-lo, pois penso ser a composição “a solidão da casa” uma bela criação. E sigo um pouco mais com as palavras de Hanslick (1992), para fundamentar o que tenho compreendido sobre contemplar a música e a arte como um todo, bem como a importância de se entregar as “fantasias” nesse encontro.
 “ É curioso como os músicos e antigos se deixam impressionar somente pelo contraste entre “sentimento” e “intelecto”, como se o fundamental não estivesse exatamente no meio desse suposto dilema. A obra musical surge da fantasia, do artista para a fantasia do ouvinte. Sem dúvida, diante do belo, a fantasia não é simplesmente uma contemplação, mas uma contemplação com intelecto, isto é, representação e juízos; este último ocorre com tamanha rapidez que nem chegamos a ter consciência dos processos isolados, e a ilusão nasce de imediato, o que na verdade depende de múltiplos processos espirituais intermediários. De mais a mais, a palavra contemplação, há muito transposta das representações visuais, para todas as manifestações dos sentidos, corresponde perfeitamente ao ato de escutar com atenção, que consiste num observar sucessivo das formas sonoras. A despeito disso, a fantasia não é absolutamente um território fechado: se, por um lado, extrai suas centelhas de vida das sensações, por outro, projeta seus raios velozmente sobre a atividade do intelecto e do sentimento. Estes, contudo, são apenas territórios limítrofes para a concepção do belo”. (HANSLICK, 1992)

         Enfim, é preciso correr riscos e se deixar envolver pela obra. A arte, a criação deve estar comprometida com a inteligência. É quando há esse comprometimento que captamos a imensidão da vida que há na arte e a imensidão de arte que há na vida. Ela deve exigir do espectador, tanto esforço quanto exigiu do criador. No caso da música, o ouvinte deve estar comprometido com a entrega de seus sentidos e de seu fantasiar. A música pode ser apreciada, como uma companhia, que simplesmente nos acompanha, ou, além disso, pode conversar conosco e mergulhar no nosso ser e estar, preenchendo momentos da nossa vida. Algumas nos acompanham por dias, outras por meses, outras, ainda, por uma vida. Há também as músicas que acompanham determinados humores e lembranças.
             No caso da criação, “a solidão da casa”, além de música, se encontra imagens, que lembram cenas de um cotidiano que parece falar de uma existência interna e externa. Um dentro e fora que vão se mesclando em letra de música, sons e imagens. A forma como o autor registrou o mundo a sua volta, bem como a forma que deu a mescla referida acima, obteve um resultado, invadiu meus sentidos, buscando raízes em mim. Deu visibilidade a um mundo de experiências, objetivas e subjetivas. E no corpo encontrou meus olhos que choram, com a torneira que pingava. E na mente, encontrou, a minha inquietude, nas imagens em movimentos que quase tonteavam, encontrou também a paz que não ensina, entre outros encontros. É deveras uma produção com potencial de absorver e ser absorvida.
           Parto do ponto da produção musical, como criação artística, e a experiência com esta criação implica que a experimentemos, a tal ponto, que possamos absorver e sermos absorvidos. Que possamos seguir nossas existências, deixando e levando algo dos encontros, em atos criativos.
           Conforme Marcel Duchamp (1975), no ato criador, o artista passa da intenção à realização através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas. Afirma Paul Klee,(in TESSLER 1997) que a arte não reproduz o visível, torna visível.                
Na produção “a solidão da casa”, encontrei uma experiência sensível do imaterial, experimentado em sonoridade, transformado em linguagem verbal e ainda experimentado em imagem. Podemos pensar a imagem, atualmente como algo que tem se expandido, conforme Moraes (2002), do eterno para o contingente, da documentação fiel da realidade para a percepção de que qualquer imagem, mesmo capturada mecanicamente, não é jamais espelho do real, mas sim visão subjetiva do mundo. Certamente essa compreensão não se esgota com o ponto que eu coloquei, mas atende aos interesses dessa explanação. Recorro um pouco mais a Moraes, para fundamentar a profundidade das imagens digitais que ainda produzem efeito em mim.
 “A imagem digital pode ir bem além desse espelhamento do real. Através da computação gráfica, ela pode criar uma nova realidade, expandindo um caminho iniciado com a perspectiva renascentista e as ilusões de ótica da arte barroca. A malha perspéctica, ou seja, a ferramenta do desenho que cria a terceira dimensão e as deformações marginais dela, é apropriada e potencializada. As linhas dessa malha saem do plano do papel para o ambiente tridimensional virtual do computador. A ilusão de ótica já não é mais o fim, mas um meio para potencializar um ilusionismo cada vez mais intrigante e plausível. Ou, ao contrário, mais delirante e surreal”. (Moraes, 2002)
                                   
            As imagens e a música condensadas expressão a interpenetração entre o mundo humano, o mundo da natureza e o mundo da técnica, nas inúmeras vezes que se misturam. Isso é o que fui encontrando na produção, em análise. Então, quando a música tocou meus ouvidos, meus pensamentos, meus sentimentos, minha pele, minha intuição, entrei em estado inicial de contemplação e posteriormente invadida, pela inquietação intelectual. Experimentei a produção nas diversas dimensões. Por vezes, fechei os olhos e ouvi a música, outras, apenas vi o vídeo sem o som, outras ainda, o vídeo com a música. E ainda mudei, algumas vezes, o foco da atenção, da seqüência de sons, para a letra e vice versa.  Acompanhei com meu pensamento a letra, o som, a imagem. E gostei de como o autor condensou, expressou e interpenetrou mundos.
            Na solidão da casa tem música, tem louça, tem mosca, luz, escuro, espinho, caminhos, sons, silêncio, livros, histórias, chuva e lua. E por trás disso, um ser humano que em imagens e som condensa sua experiência interior e exterior, subjetividade e mundo, de forma que no espaço da solidão da casa, tal experiência se transforma em arte. “Isso enquanto o mundo dorme sem saber” que há duas vozes que cantam e que se experimentam, a voz da fantasia e da realidade.
           A música toca quem faz e toca quem escuta, quando boa, vai da fantasia do artista a fantasia do ouvinte. A música não é o único, mas pode ser um importante instrumento de trabalho mental e emocional, ampliando as formas de ver e vivenciar o mundo. Auxiliando nos encontros consigo e com outros mundos, pelo caminho do belo, do sentir, do se deixar emocionar e se envolver. Assim se torna uma dádiva a imensidão da vida.
         O autor, provavelmente se envolveu e abraçou sua ideia, o raciocínio do espaço e girou feito vinho, mostrou algumas coisas que ninguém vê.  Produziu uma bela e tocante música. Construiu na solidão da casa a experiência da solidão imaterial de José, que toca a de João, que toca a de Maria, que toca a de Mariana. E nessa hora, a alma de José se espalha, ecoando em outras almas e a composição já está tocando em outras “casas”. Já não é mais apenas José, é um filho no mundo e para o mundo.

(Escrito em Fevereiro de 2011, por Mariana Bernardes Goulart)

NOTAS
1  http://www.youtube.com/watch?v=Wbp3_wyyhYA

REFERÊNCIAS

DUCHAMP, Marcel. “O Ato Criador”. In: BATTCOK, G. (org.). A nova arte. São Paulo:
Perspectiva. 1975

GALEANO, Eduardo. O livro dos abracos. Porto Alegre, LPM, 2002.

HANSLICK Eduard, Do belo musical. 2ª edição editora unicamp 1992.
NAFFAH NETO, Alfredo Outr’em-mim: ensaios, crônicas, entrevistas . São Paulo: Plexus, 1998.

LAPLANCHE, J., & PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, (1994).


MORAES, Angélica de. A fotografia contemporânea e as novas mídias in Mídia-arte: fomento e desdobramentos. II Fórum de debates do prêmio cultural Sérgio Motta. São Paulo: Instituto Sérgio Motta, 2002.

ORTHOF Geraldo,  O Chamariz do Devir : Pontos de Fuga/ Pontos de Partida. in: O MEIO COMO PONTO ZERO/ Metodologia de pesquisa em artes plásticas. Org: Blanca Brites e Elida Tessler. Ed. UFRGS, 2002.

TESSLER, E. . Obras e sobras: rupturas na arte contemporânea. Porto Arte (UFRGS), Porto Alegre, v. 4, n. 4, p. 16-23, 1997.http://www.youtube.com/watch?v=Wbp3_wyyhYA

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Poesia de Rodoviária


Passos, pernas, pessoas
Minutos, momentos, música
Espera...
Menina sentada na mala, vestido rosa, mochila lilás.
Bolinhas de sabão! Belezas de verão
Espera do encontro com o mar
Espera com efêmeras bolinhas de sabão
Imensidão da vida no "ínfimo do íntimo infinito"
Despedida do ano bom que passou como bolinhas de sabão
Passos, pernas, minutos, momentos, músicas... com bolinhas de sabão
Essa foi minha poesia de verão

Mariana Bernardes Goulart